27/01/2010

Geração Morangos

Li recentemente no jornal Expresso um artigo de opinião do Henrique Raposo que tinha como tema os jovens de hoje. Decidi partilhar isto convosco porque infelizmente concordo com tudo aquilo que ele escreveu.

"Cara leitora, estamos a criar uma geração de mariquinhas. Os nossos miúdos estão a crescer numa redoma pós-moderninha, longe das coisas mais simples. Há dias, uma menina dizia-me que os frangos vêm do supermercado. Ou seja, aquela criança não associa a galinha, que vê no galinheiro, à carne, que vê no prato. Deve achar que a comida vem de uma fábrica mágica onde o plástico inerte ganha a forma de bife suculento. Ontem, eu não conseguia entrar no meu bairro. Chovia uma carga que assustaria até Noé. Perante o dilúvio, os papás foram buscar os meninos ao liceu. A fila de carros era um espectáculo bíblico. Os meninos, claro, não podiam regressar a pé, porque não sabem o que é um chapéu-de-chuva (não deve fazer pendant com as camisas, ou assim), e porque não podem apanhar 'molhas', coitadinhos. No meu tempo, a malta apanhava violentas 'molhas'. Até era divertido: à chuva, elas ficavam mais permeáveis a beijos e afins.

Nos meus anos 80, a malta andava na rua, nos parques, nas matas, nos campos. Sabíamos o que era a terra, aquela coisa que está debaixo do alcatrão. A caminho da escola, descobríamos, e matávamos, a fauna local. Chegámos aos 10 anos com o vigor de uma tropa de assalto. Tínhamos, nas mãos, calos transmontanos. Tínhamos, no rosto, uma pele tisnada de alentejano. Tínhamos cicatrizes em todos os joelhos, os de baixo e os de cima (vulgo: cotovelos). Ora, tudo isto é ficção científica para a malta que nasceu nos anos 90. Os jovens de hoje não põem os pés na rua. Saltam da cama para o carro do papá. Do carro, saltam para a escola. À tarde, saltam do carro da mamã para a natação ou aulas de ballet. Nunca têm contacto com a rua. Não por acaso, estes miúdos têm medo de tudo o que está no exterior da sua redoma. Estamos a criar mariquinhas faraónicos, cara leitora. Mariquinhas que não sabem como é bom sacar um beijo à chuva.

Esta hiperprotecção dos jovens revela que a nossa sociedade entrou num triângulo das Bermudas familiar: os crianças mandam nos pais. Aliás, a criançada domina a sociedade. Como os cristãos na Roma de Nero, os adultos vivem na clandestinidade. A televisão é para adolescente ver. A sala de cinema é território juvenil. Na escola, o menino não tolera ser ensinado pelo professor. Em todo o lado, em qualquer lugar, o menino tem sempre razão, mesmo quando tenta bater no avô. Esta inversão da moral, sempre com o objectivo de manter o menino na Terra do Nunca, é algo profundamente perverso. E a consequência mais sinistra desta perversão social e moral é mesmo o abandono dos velhos. As famílias só têm olhos para as criancinhas, e acabam por desprezar os avós e bisavós das ditas criancinhas.

No domingo, enquanto pais e meninos passavam pela ressaca de ano novo, nove velhos morreram entre as dez da manhã e as dez da noite (só em Lisboa). Morreram devido à ressaca do abandono. Alguns suicidaram-se, porque já não suportavam a solidão. Cara leitora, nas traseiras da sociedade Peter Pan existe uma ruela escura, pestilenta e imoral: o abandono dos velhos. Os papás ficam a jogar jogos electrónicos com os meninos, e, depois, são incapazes de visitar os mais velhos. Perante isto, deixo-lhe aqui um repto, cara leitora: destrua a consola, castigue o seu marido, e, acima de tudo, deixe o puto ir para a rua, a ver se ele descobre o caminho para um beijo à Gene Kelly".

Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Janeiro de 2010

DP

Sem comentários: